O QUE É LUDICIDADE?
Durante muito tempo a criança foi vista como um estorvo para a sociedade, um ser incompleto que, considerado um miniadulto, deveria ter a infância apressada. Comumente, a criança era silenciada ou imobilizada, subjugada pelo que Montessori afirma ser o “direito do adulto”:
Quando a criança se sentava nos móveis dos
adultos, ou no chão, era repreendida; tornava-se necessário que alguém a
pegasse no colo para que pudesse sentar. Eis a situação de uma criança que vive
no ambiente dos adultos: um importuno, que procura algo para si e não encontra,
que entra e logo é repudiado. Uma situação semelhante à de um homem privado de
direitos civis e de ambiente próprio: um ser marginalizado pela sociedade, que
todos podem tratar sem respeito, insultar e castigar, por força de um direito
conferido pela natureza - o direito do adulto. (MONTESSORI, 1984, p. 7)
Desta forma, a ludicidade era tida
como forma de entreter a criança, ou mesmo de recompensá-la por determinados
comportamentos desejáveis. Hoje, no entanto, após muitos estudos, pesquisas e
experiências educacionais diversas, sabemos que a ludicidade tem um papel
determinante para o desenvolvimento da criança pequena. É por meio da
brincadeira, do jogo e do brinquedo que ela se expressa, externaliza o que
aprendeu, se manifesta, interagi e assim se desenvolve.
Quando uma criança imita um
determinado papel social, como uma professora, por exemplo, ela está
externalizando o que compreendeu sobre esta função, e isso é muito rico para
ser explorado em seu desenvolvimento global. É preciso, porém, observar que a
ludicidade na Educação Infantil deve ser apresentada à criança com uma
intencionalidade pedagógica previamente determinada, pois:
Atirar qualquer brinquedo a qualquer criança
pode agradar seu sentimento de posse, mas compreender a mente dessa criança e,
com cuidado e critério, selecionar esse brinquedo, ensinando-a a brincar, é ir
muito além, é, em verdade, educar. (ANTUNES, 2017, p.13)
De acordo com Carmo et al. (2017, p.
12.901)
O termo Ludicidade é utilizado e debatido por várias pessoas, em
especial por professores pesquisadores da Educação Infantil. Segundo o
dicionário Aurélio ludicidade significa: “qualidade do que é lúdico”.
Ludicidade são atividades de caráter livre, para que uma brincadeira seja
considerada lúdica ela deve ser de escolha da criança entre participar ou não
dela. A ludicidade não se delimita apenas aos jogos, as brincadeiras e aos
brinquedos, ela está relacionada a toda atividade livre e prazerosa, podendo
ser realizada em grupo ou individual.
Assim, pode-se conceituar a
ludicidade como uma forma de abranger as situações nas quais se usa a
imaginação, a criatividade e a fantasia, por meio do uso da brincadeira, do
jogo e do brinquedo. Deste modo, é fundamental conceituar cada uma destas três
relevantes partes da ludicidade.
A brincadeira é uma atividade livre,
que pode ocorrer com ou sem o uso de recursos ou brinquedos, que não possui
regras e que pode ser realizada em grupo, em duplas ou de forma individual. A
brincadeira depende somente da ação de quem brinca, podendo assim ser utilizada
de modo muito peculiar pela criança.
O brincar é considerado umas das principias
expressões do comportamento infantil, o brincar por intermédio de jogos e
brincadeiras, faz a criança interagir com o seu ambiente material e emocional,
compõe conhecimento, adota e gera cultura e também estabelece e certifica sua
maneira própria de ser e estar no mundo. Sendo importante o brincar é tido como
base central do trabalho pedagógico na educação infantil, pronunciando várias
linguagens e experiências curriculares nessa primeira etapa da Educação. (PINATI
et al. 2017, p. 59)
O jogo tem peculiaridades diferentes
da brincadeira, pois depende do uso de regras. Para tanto, é preciso que a ação
de jogar seja desenvolvida individualmente, por pares ou grupos, e que todos
compreendam o objetivo e as regras. Henri Wallon (1879 – 1962) e Jean Piaget
(1896 – 1980) estudaram profundamente a relação do jogo com o desenvolvimento
infantil, observando que existem diferentes fases nas quais as crianças podem
compreender os jogos.
Os jogos são importantes, pois a criança
confirma as múltiplas experiências vivenciadas, como: memorização, enumeração,
socialização, articulação sensoriais, entre outras. De acordo com as ideias de
Wallon os jogos para criança têm papel de progressão funcional, já para o
adulto tem papel de regressão, uma vez que, o homem quer se desligar o mais
rápido das atividades lúdicas (deixar de ser criança), aproximando-se das
atividades como o trabalho. É importante o papel de um adulto/educador presente
em todas as fases desenvolvimento da criança, pois será capaz de intervir
adequadamente no jogo infantil, estacando o progresso e possibilitando maior
crescimento. Por conseguinte, o adulto deve ser um facilitador e não um jogador
do jogo. (LUIZ et al., 2014)
Kishimoto (1977) descreve o brinquedo
como sendo um objeto de profunda relação com a criança, que atribui
significados únicos a ele, que pode ser utilizado de formas diversas, não sendo
utilizado com base em nenhuma regra. Deste modo, a boneca pode ser para a
criança a filha, a mãe, uma amiga, ou apenas um objeto a ser manipulado. Um
carrinho pode ser um meio de transporte, mas também pode ser uma nave espacial,
se assim a criança decidir. É a imaginação que faz com que o brinquedo ganhe
vida e assim interaja com a criança. Os brinquedos não precisam necessariamente
ser sofisticados, com tecnologias, luzes ou se movimentar sozinhos. Na
realidade, uma criança é capaz de tornar uma caixa de sapatos um brinquedo, por
meio do uso de sua imaginação. É preciso, no entanto, que o educador estimule a
fantasia e a iniciativa da criança.
Ao compreendermos melhor a
ludicidade, é preciso ainda pontuar que ela está definida como essencial também
pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que apoiada em teorias
construtivistas aponta “interações e brincadeiras” como eixo estruturante para
as práticas pedagógicas envoltas nesta etapa educativa.
Considerando que, na Educação Infantil, as
aprendizagens e o desenvolvimento das crianças têm como eixos estruturantes as
interações e a brincadeira, assegurando-lhes os direitos de conviver, brincar,
participar, explorar, expressar-se e conhecer-se, a organização curricular da
Educação Infantil na BNCC está estruturada em cinco campos de experiências, no
âmbito dos quais são definidos os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento.
Os campos de experiências constituem um arranjo curricular que acolhe as
situações e as experiências concretas da vida cotidiana das crianças e seus
saberes, entrelaçando-os aos conhecimentos que fazem parte do patrimônio
cultural. (BRASIL, 2018)
Deste modo, as situações que envolvem
a ludicidade devem sempre pautar as práticas pedagógicas do professor que atua
nesta etapa educativa. A BNCC aponta ainda que o fazer pedagógico deve
compreender cinco distintos campos de experiência, que são: O eu, o outro e o
nós, Corpo, gestos e movimentos, Traços, sons, cores e formas, Escuta, fala,
pensamento e imaginação e também Espaços, tempos, quantidades, relações e
transformações. Os campos de experiência são fundamentais para que a criança
tenha seus conhecimentos prévios valorizados nas práxis pedagógicas diárias, e
torna o processo de ensino e aprendizagem mais dinâmico, significativo e
relacionado à realidade.
Por fim, pontuamos ainda que é
necessário dar voz ao aluno, criando sempre oportunidades nas quais ele se
torne protagonista de suas aprendizagens, por meio de ferramentas e situações
que gerem engajamento. Assim, atualmente, muito tem sido debatido sobre o uso
de metodologias ativas na educação, que são justamente o uso de ferramentas que
levem o aluno ao centro do processo educativo. É possível assim permitir que a
criança escolha brincadeiras ou jogos, que estipule como deve usar os
brinquedos, e assim tornar a sala de aula um espaço educativo mais democrático
e dinâmico.
REFERÊNCIAS
ANTUNES,
Celso. O jogo e a educação infantil: falar e dizer, olhar e ver, escutar
e ouvir. Petrópolis: Vozes, 2017.
BRASIL,
Ministério da Educação (MEC). Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
Brasília, 2018.
CARMO,
Carliani Portela et al. A ludicidade na educação infantil: aprendizagem
e desenvolvimento. XIII Congresso Nacional de Educação. EDUCERE. 2017.
Disponível em:
<https://educere.bruc.com.br/arquivo/pdf2017/23662_12144.pdf>. Acesso em:
22 nov. 2021.
KISHIMOTO,
Tizuko Morchida et al. Jogo, brinquedo, brincadeira e educação. São
Paulo: Cortez, 2000.
LUÍZ,
Jessica Martins Marques et al. As concepções de jogos para Piaget, Wallon e
Vygotski. EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 19, Nº 195,
agosto de 2014. Disponível em: <https://www.efdeportes.com/efd195/jogos-para-piaget-wallon-e-vygotski.htm>.
Acesso em: 22 nov. 2021.
MONTESSORI,
Maria. A criança. Tradução de Luiz Horácio da Matta. São Paulo: Círculo.
1984.
PINATI, Carolina Taciana et al. Os jogos e brincadeiras na educação infantil. Ciência et Praxis, v. 10, n. 19, p. 57-62, 2017. Disponível em: <https://revista.uemg.br/index.php/praxys/article/view/2658/1505>. Acesso em: 22 nov. 2021.